Eram 29 dias de dezembro de 1903, quando Candido Portinari nasceu em uma fazenda de café, próxima à cidadezinha de Brodowski, no estado de São Paulo. A data de seu aniversário ainda causa confusão, uma vez que era muito comum naquela época adotar o dia do registro como o do nascimento. Por isso, alguns acreditam que Portinari nasceu no dia 30 e não no dia 29.
Seus pais eram italianos imigrantes da região do Vêneto. A família era muito humilde e a infância do pintor foi marcada pela pobreza. A educação formal de Portinari se limitou à instrução primária. No entanto, desde muito jovem, ele já demonstrava seu talento e sua vocação artística, começando a pintar aos nove anos de idade. E foi assim, do cafezal às Nações Unidas, que o menino se tornou um dos maiores pintores do seu tempo.
Quando tinha 15 anos, Portinari deixou Brodowski e partiu rumo ao Rio de Janeiro, onde se matriculou na Escola Nacional de Belas-Artes. Em 1928, seu talento não passou despercebido e foi reconhecido com a conquista do Prêmio de Viagem à Europa por seu Retrato de Olegário Mariano. Esta foi, de fato, uma virada de página em sua trajetória. Quem diria que aquele menino que cresceu em Brodowski estaria passando uma temporada na França? E foi durante sua estadia em Paris, em 1930, que ele viu sua terra natal por uma perspectiva diferente. Isso o inspirou a pintar o Brasil com todas as suas características distintas – sua história, seu povo, sua cultura, sua flora e sua fauna. Então, decidiu: "Vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor."
Quando voltou ao Brasil, em 1931, Portinari colocou seu sonho em prática e passou a retratar o país em suas obras. Seus murais, pinturas, desenhos e gravuras revelaram a essência da alma brasileira, destacando tanto a alegria e a beleza quanto as dificuldades e a dor enfrentadas pelo povo. Neste momento, toda a sua expressão artística começou a transcender o academicismo de sua formação, juntando a ciência antiga da pintura a uma personalidade experimentalista moderna.
O escritor Antônio Callado descreveu a obra de Portinari como um "monumental livro de arte que ensina os brasileiros a amarem mais sua terra."
Portinari fez parte da elite intelectual brasileira, convivendo com poetas, escritores, músicos, arquitetos, educadores, políticos, jornalistas e diplomatas. Além disso, ele se engajou politicamente, filiando-se ao Partido Comunista e candidatando-se a cargos políticos, embora não tenha sido eleito. Com o agravamento da repressão política, ele se exilou, por um tempo, no Uruguai.
O ser humano é o cerne da obra de Candido Portinari. Preocupado com a temática social, retratou em cores fortes e impactantes a realidade do povo brasileiro. Mas também há um lado lírico em suas obras, que remete às lembranças de sua infância em Brodowski – as crianças brincando pelas ruas, os casais enamorados, os trabalhadores rurais – representando o ser humano em momentos de ternura, solidariedade e paz.
Portinari ganhou reconhecimento tanto no Brasil quanto no exterior, por sua produção artística e seu engajamento cultural e humanistas. Suas exposições, prêmios e honrarias, bem como o respeito que conquistou, demonstram sua importância. Ele é motivo de orgulho para o povo brasileiro, que se vê representado em sua obra.
Durante a última década de sua vida, Portinari criou os famosos painéis Guerra e Paz para a sede das Nações Unidas, uma obra-prima que representa sua contribuição mais universal e profunda. Para o diretor do Projeto Portinari, João Candido, essa obra constitui o maior trabalho de toda a vida do pintor. "O mais universal, o mais profundo, também, em seu majestoso diálogo entre o trágico e o lírico, entre a fúria e a ternura, entre o drama e a poesia."
Na avaliação do artista Enrico Bianco, as obras Guerra e Paz "são as duas grandes páginas da emocionante comunicação que o filósofo / pintor entrega à humanidade."
Se pintar era um ato praticado com tanta dedicação e amor, podemos dizer que Portinari morreu amando. Depois de contrariar as ordens médicas para se afastar do seu ofício, em 6 de fevereiro de 1962, o pintor morreu devido à intoxicação causada pelos metais pesados contidos nas tintas que usava em sua arte.
Três dias após o seu funeral, Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe o poema A mão.
'Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.
Entre o sonho e o cafezal
entre a guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
todos os meninos, ainda os mais desgraçados
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.
Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.'